Manolo, um buldogue inglês de 10 meses, é tão adorável quanto terrível, na definição de sua dona, a médica Mayra Aguirre. Destroça quase tudo o que vê pela frente e ainda engole o que sobrar, sem distinção de materiais. Um dia, na escola de adestramento que frequenta, Manolo apareceu ofegante, como se estivesse asfixiado. Os instrutores acharam que havia engolido algo – e ligaram para Mayra. Pouco depois de chegar ao hospital veterinário, Mayra descobriu que seu cão estava com hipertermia. A temperatura de seu corpo subira para mais de 40 graus. Ocorrera uma obstrução da traqueia. Manolo ficou 24 horas no hospital para que a temperatura baixasse e estabilizasse.
Desde então sua rotina mudou. Quando faz muito calor, Manolo fica em casa, longe do agito da escolinha, sob o ar-condicionado, com muita água gelada a sua disposição. Os passeios durante o dia foram cancelados. Mayra só sai de casa depois das 9 horas da noite, quando o asfalto já esfriou e o ar está mais fresco. “Enquanto estava no veterinário, me espantei com a quantidade de cachorros que chegavam com o mesmo tipo de problema”, diz Mayra. “No hospital, existe até uma sala especial para esses casos, com recursos para baixar a temperatura.”
A raça de Manolo tende a sofrer mais com o calor. Seu focinho curto dificulta a respiração, vital para manter a temperatura do corpo estável. O calor intenso também é uma ameaça a outros tipos de cachorro e animais domésticos – gato, passarinho, furão, chinchila e coelho. Sete hospitais veterinários ouvidos por ÉPOCA, em São Paulo e no Rio de Janeiro, aumentaram o número de atendimentos entre 25% e 40% no verão. Os casos mais comuns são de aumento da temperatura do corpo – a hipertermia –, desidratação e queimaduras da parte fofa das patinhas, os coxins. Há também maior incidência de câncer de pele, principalmente em gatos. “Os felinos gostam muito de dormir ao sol. A incidência de câncer ocorre na ponta das orelhas e nos focinhos, as partes mais expostas”, diz Salvador Belmonte, veterinário do hospital Iemev, do Rio de Janeiro. Esses casos são reversíveis quando tratados no início da doença. O problema é que muitos donos demoram a procurar ajuda: acham que os animais se feriram com as próprias unhas ou brincando com os outros. Fica a dica: gatos e cachorros machucados nas áreas sem pelos devem ser examinados por veterinários.
No caso dos cães, três fatores fazem com que sejam mais sensíveis que nós ao calor. A temperatura do corpo deles é mais alta. Varia entre 37 e 39 graus. A partir dos 40 graus, o animal já está sofrendo. Ao contrário dos humanos, ele praticamente não transpira pelo corpo. A regulação da temperatura é feita somente pela troca de ar da respiração. O corpo do cachorro fica muito próximo do chão, o que faz com que absorva calor. Desidratação e hipertermia não deixam sequelas quando identificadas a tempo. Caso contrário, podem levar à morte ou deixar consequências sérias, como convulsões crônicas por lesão cerebral e dano renal permanente.
As crises desencadeadas pelo calor não são necessariamente resultado de descuido dos donos. Os problemas ocorrem porque a resistência dos bichos muda com o calor extremo. Hábitos normalmente inofensivos, como correr ao lado do dono, passam a afetar o cão, que no calor tem menos fôlego. O ato de sair para caminhar com o animal depois de o sol já ter baixado – mas com o asfalto ainda quente – é uma das principais causas de queimaduras nas patinhas. A dedicação do cão ao dono acaba encobrindo o incômodo – e mesmo a dor – que o animal sente. Sair com o dono é um momento de tanta felicidade que o cachorro tende a prosseguir enquanto tiver fôlego, mesmo pisando no chão quente ou se sentindo exausto. “Muitas vezes, só dá para notar que a reação deles não está normal à noite, quando o animal já teve tempo para descansar e se refrescar, mas continua ofegante e prostrado”, diz Fernanda Fragata, veterinária do Hospital Sena Madureira, em São Paulo. Animais mais velhos e acima do peso são mais sensíveis aos efeitos do calor.
A engenheira Fernanda Magalhães tomava o cuidado de sair com sua fêmea de cocker spaniel, Bebel, antes das 7 da manhã e depois das 21 horas. Num passeio pelo Parque Ibirapuera, em São Paulo, à noite, Bebel passou a salivar muito, com a língua para fora, e diminuiu o passo. “Quando vi sua língua roxa, a coloquei na mochila e a levei para o pronto-socorro.” Bebel teve hipertermia e desidratação, apesar de toda a água que Fernanda lhe dera. “Andamos menos do que costumamos andar e já eram mais de 9 da noite”, afirma a engenheira. “Bebel fez 9 anos. Descobrimos que sua resistência mudou.”
A melhor estratégia para se precaver contra os males do calor intenso é se prevenir. Em casa, é importante manter o ambiente fresco mesmo que os donos passem o dia fora. É o caso de deixar o ventilador ligado ou programar o ar-condicionado para ligar e desligar automaticamente várias vezes ao longo do dia. Os bichos domésticos ficam bem com temperaturas entre 22 e 24 graus. No verão, a quantidade de vasilhas de água deve aumentar. Vale espalhá-las por vários cantos da casa. Muitos bichos, principalmente os gatos, podem sentir preguiça de ir até a água mesmo quando estão com sede. A temperatura da água também é importante. Pote com água morna é o mesmo que pote seco para muitos dos bichos. A indicação é espalhar pedras de gelo nas vasilhas e fontes de água e garantir que sejam postas em locais que não pegam sol. A alimentação deve permanecer a mesma. O apetite dos bichos tende a diminuir com o calor. Se estranharem uma nova ração, é provável que comam ainda menos. Vale complementar a alimentação com frutas geladas para os animais lamberem. O banho deve ser usado com moderação para evitar choques térmicos. Antes de ligar a banheira ou enfiar seu gato no tanque, certifique-se de que ele não está muito quente. O mais indicado, no caso de animais com a temperatura elevada, é enrolá-los numa toalha molhada e levá-los à água apenas quando estiverem frios.
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